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Local do fato gerador do ISS para as administradoras de cartão de crédito

Por Hector Ruslan Rodrigues Mota

Como é de amplo conhecimento entre juristas e agentes públicos em geral, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) é uma das principais fontes de arrecadação das entidades federativas conhecidas como municípios. O ISS é caracterizado por ter como fatos geradores os comportamentos de contribuintes voltados para uma obrigação de fazer em que se propõe a alguém a realização de um serviço de caráter oneroso (jamais gratuito).

Tutelado pela Lei Complementar 116/2003, o tributo atualmente passa por um momento de “turbulência” no cenário fiscal nacional. Dentre os conflitos jurídicos existentes e que contam com o ISS como centro das atenções, é cabível mencionar a título de fomento ao debate, o problema que envolve a tributação de plataformas de mídia digital via streaming e o caso da cobrança de ISS em face de administradoras de cartão de crédito.

A Lei Complementar nº 116/2003 contem em seus termos uma lista anexa de serviços que são passíveis de tributação pelo imposto aqui estudado. Como se vislumbra em uma rápida análise do conteúdo da Lei, em seu item 15.01, a administração de cartão de crédito ou débito é uma atividade tributada, no Brasil, através de ISS. Ademais, a própria Lei Complementar supramencionada, em seu artigo 3º, estabelece que o imposto será devido, em regra, no local do estabelecimento prestador ou, na falta deste, no local do domicílio do prestador.

Ocorre que a regra insculpida no caput do artigo não é suficiente para abarcar as vicissitudes da tecnologia e da economia, que andam a passos rápidos e despontam muito a frente do direito, e a própria legislação, assim, demarca casos particulares em que estabelece de maneira específica onde deverá ser considerado prestado o serviço. Em alteração trazida pela Lei Complementar nº 157/2016, é possível vislumbrar que o domicílio competente será o do tomador do serviço, no caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito e débito.

O crescente uso do cartão de crédito como maneira principal de pagamento entre os brasileiros faz com que a problemática aqui envolvida ganhe relevância no cenário tributário nacional. A alteração à Lei Complementar nº 116/2003 no que diz respeito à cobrança de ISS por administradoras de cartão de crédito e débito traz o benefício econômico de gerar receita para as mais diversas regiões do país, uma vez que virtualmente cada município em que haja tomadores de serviço de cartão de crédito e débito serão locais competentes para que haja a cobrança do ISS pelo serviço prestado.

Por outro lado, isto significa que as administradoras de cartão de crédito e débito deverão recolher ISS em virtualmente todos os municípios do Brasil em que haja operação com cartão. Em razão da celeuma apontada, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Complementar e Capitalização (CNSEG) ingressaram com Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5835, questionando a legalidade da instituição do domicílio do tomador como competente para a cobrança e arrecadação do ISS.

Dentre os argumentos propostos pelos autores da ADI, vale enfocar aquele que diz respeito à distorção normativa que alteraria o fato gerador previsto na norma tributária, uma vez que, segundo o argumento, se cobraria ISS sobre uma serviço que não foi prestado naquele local. As entidades afirmam que o local da real prestação do serviço de cartão de crédito ou débito é aquele em que a empresa realmente operacionaliza e administra os pagamentos, e não, de maneira ilustrativa, o local em que o cliente passa o cartão de crédito na maquineta do lojista.

Ainda segundo os autores da ADI, a disponibilidade de uma maquineta para pagamento é um mero meio para que o serviço seja efetivamente prestado no município da operadora, sendo uma atividade que independe do prestador de serviço e, portanto, não caracterizaria fato gerador de ISS a ser cobrado naquele local. Em 23 de março de 2018, o ministro relator Alexandre de Moraes concedeu medida cautelar pleiteada nos autos pela parte autora com fins de suspender a eficácia do artigo 1º da Lei Complementar nº 157/2016 no ponto em que modifica o art. 3º, XXIII, XXIV (Cartões de crédito e débito) e XXV.

Suspendendo a eficácia do artigo, o estado atual da problemática envolvendo o ISS em operações com cartão retornou ao status quo ante, e, portanto, continua sendo cobrado com base na regra geral do artigo 3º da Lei Complementar nº 116. Ainda que alguém possa interpretar que a concessão da medida cautelar por parte do Ministro Relator implicaria uma tendência a confirmar uma inconstitucionalidade dos dispositivos, é importante asseverar que o problema jurídico continua posto e em ampla discussão.

A repercussão desse caso será de grande impacto financeiro para os cofres públicos dos municípios da Federação e também para as empresas que operacionalizam cartões de crédito e débito em território nacional, que se manifestaram no sentido de que em decorrência do aumento dos custos, ficaria inclusive impossibilitada de operacionalizar cartões em determinados municípios. Outrossim, existem aspectos ainda mais complexos e intricados do debate que, contudo, não seriam o escopo deste brevíssimo texto. Todavia, desde já restou demarcado o escopo do problema e os impactos financeiros e jurídicos que o mesmo pode causar no país.

Cabe à comunidade jurídica, portanto, se inteirar do imbróglio e acrescentar tão rica discussão de tema tributário no seio acadêmico-científico, bem como no campo prático, em que a militância dos advogados tributaristas é de extrema relevância e já foi figura central na modificação ou manutenção de entendimentos do Supremo Tribunal Federal.

*Membro da Estudos Tributários da OAB-PB

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