Por Walter Pereira Dias Netto*
No dia 01 de março de 2016, entrou em vigor a Resolução Normativa nº 687, de 24 de novembro de 2015, da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Tal ato normativo vem aprimorar e alterar algumas regras previstas na Resolução Normativa nº 482/2012, também da ANEEL. O presente artigo vem justamente trazer algumas considerações acerca desses atos normativos da agência reguladora, apontando críticas e esclarecimentos pontuais.
Inicialmente, é preciso trazer à tona que a ideia da confecção do presente artigo ocorreu após o Ciclo de Debates sobre “Geração Distribuída a Partir de Fontes Renováveis de Energia: Análise de Cenário e Proposta para Expansão no Estado da Paraíba”, promovido pela Comissão de Direito de Minas e Energia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional da Paraíba (OAB-PB).
Como se pode observar no próprio artigo que abre a REN nº 482/2012, este ato normativo busca “estabelecer as condições gerais para o acesso de microgeração e minigeração distribuídas aos sistemas de distribuição de energia elétrica e o sistema de compensação de energia elétrica” (Art. 1º). Isso quer dizer que o consumidor possui autorização legal para instalar pequenos geradores em suas residências, como, por exemplo, painéis solares fotovoltaicos.
Mas a energia gerada a partir desses geradores não poderá ser comercializada pelos consumidores. A intenção da REN nº 482/2012 é trazer a oportunidade de o consumidor obter reduções no valor de sua fatura de energia elétrica, o que se dará através do sistema de compensação, prevista na própria Resolução Normativa. Melhor explicando: quando a unidade consumidora gerar uma quantidade de energia superior à energia consumida, ela terá direito a um crédito que poderá ser utilizado justamente para diminuir o valor de sua fatura nos meses posteriores.
A REN nº 687/2015 definiu esse sistema de compensação como um “empréstimo gratuito”, resultando em um verdadeiro contrato atípico após uma análise à luz do nosso Código Civil. Isso porque o Código Civil, em seu Capítulo VI, traz duas espécies de contrato gratuito: o comodato e o mútuo. A compensação prevista na REN nº 687/2015 não pode ser considerada, de forma alguma, como um comodato, afinal, a energia elétrica é um bem fungível. Não se trata, também, de contrato de mútuo, uma vez que, segundo o art. 586 do Código Civil, “o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”. Ora, a concessionária que receber a energia do consumidor não restituirá em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade, mas sim em “descontos” na fatura de energia. Logo, o que ocorre não é restituição, mas tão somente um tipo de benefício em favor do consumidor, benefício este que deverá ser utilizado no prazo máximo de 60 (sessenta) meses. Portanto, trata-se, in casu, de um verdadeiro contrato legal atípico, nos moldes do art. 425 do Código Civil.
Ademais, analisando esse “contrato de empréstimo gratuito” sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, pode-se perceber que os consumidores que não despendam, de forma intensiva, o consumo de energia elétrica poderão não se utilizar do sistema de compensação na sua totalidade, razão pela qual a REN 687/2015 da ANEEL elasteceu ainda mais o prazo para a utilização dos créditos (60 meses). Caso o consumidor não utilize estes créditos no referido prazo, eles serão simplesmente expirados (Art. 7º, inciso XII), resultando no enriquecimento ilícito por parte da concessionária. Isso porque, segundo o próprio Código de Defesa do Consumidor, é direito básico do consumidor a proteção contra métodos comerciais coercitivos, bem como práticas impostas no fornecimento de produto e serviços (Art. 6º, inciso IV).
Outro ponto importante é a questão do dever de informação do valor do crédito nas faturas de energia elétrica. Em que pese haver a previsão de que a fatura deve conter o saldo anterior de créditos em kWh, algumas concessionárias não vêm obedecendo a essa determinação. Segundo a “Avaliação dos Resultados da Resolução Normativa nº 482/2012 na Visão do Regulador” levantado, em 2014, por Marco Aurélio Lenzi Castro da Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição – SRD/ANEEL, 31% dos consumidores que tinham a geração distribuída não recebia informações acerca do valor do crédito em suas faturas, algo que viola substancialmente o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso III (dever de informação). Neste caso, não só a agência reguladora, como também os órgãos de proteção ao consumidor, devem fiscalizar e aplicar penalidades às concessionárias que não cumprem o dever de informação.
Por fim, uma questão preocupante nesse setor de distribuição é a ausência de incentivos do Poder Público na instalação do sistema. Segundo a avaliação mencionada acima, um dos principais motivos que levou aos consumidores a instalar a geração distribuída foi o desenvolvimento sustentável. Por ser um dos principais princípios do Direito Ambiental, a doutrina e a própria legislação brasileira adotaram um outro princípio para fomentar a preservação ambiental: o princípio do protetor-recebedor. Para isso, o Poder Público deverá criar mecanismos que compensem a prestação de serviços ambientais em favor daqueles que atuam em defesa do meio ambiente. É o caso, por exemplo, dos consumidores que instalam o sistema de distribuição. Essa compensação, hoje inexistente, poderia ser através de benefícios financeiros (concessão de carta de créditos por bancos), redução de base de cálculos e alíquotas de tributos, ou mesmo a instituição de isenções por normas específicas.
*Secretário Geral da Comissão de Direito de Minas e Energia. Pós-Graduado em Direito Processual Civil e em Direito Público.
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