Extinção do DPVAT prejudica sistema de saúde e prevenção de acidentes de trânsito
Por Wilson Sales Belchior
A Medida Provisória 904/19 extinguiu o seguro DPVAT a partir de 1º de janeiro de 2020 por meio da revogação de inúmeros dispositivos que regulamentavam a matéria, entre eles a Lei 6.194/74. A medida provocou discussões na comunidade jurídica, especialmente em razão do aspecto social atrelado ao seguro e ao alcance da proteção proporcionada a proprietários de veículos, passageiros e pedestres.
O seguro DPVAT diz respeito às indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares decorrentes de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre. Ou seja, caracteriza-se pela universalização do direito à indenização para qualquer vítima de trânsito (motorista, passageiro ou pedestre) em todo o território nacional.
Aplica-se, dessa forma, o princípio da solidariedade à proteção das vítimas de acidente de trânsito que não possuem perspectivas de ressarcimento dos danos que lhes foram causados, em consonância com a compreensão firmada pelo Supremo Tribunal Federal. Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.003 (acórdão publicado em 18 de fevereiro de 2019), a corte definiu que o DPVAT tem a “nítida conotação de seguro social, que resguarda a coletividade das vítimas potenciais de acidentes de trânsito, e visa a concretizar o princípio constitucional da solidariedade”. Logo, entende-se o seguro como direito de todo cidadão brasileiro que tiver sofrido acidente de trânsito em território nacional, observados os parâmetros legais.
A legislação foi orientada para mitigar os riscos e consequências dos acidentes provocados pelo aumento na intensidade do tráfego de veículos. Apenas para contextualizar, o Brasil tinha, em outubro deste ano, 104.067.959 veículos, considerados todos os seus tipos, sendo que aproximadamente 54% são automóveis.
O DPVAT viabilizou-se por uma ampla rede de pagadores que viabilizou, nestes últimos 10 anos, a quitação de 4 milhões de indenizações, notadamente abrangendo jovens entre 18 e 34 anos. Se se levar em conta que somente em 2017 morreram 34.236 pessoas no trânsito brasileiro (dados do Ministério da Saúde), fica evidente o caráter social do seguro bem como sua vinculação ao princípio da solidariedade, previsto no artigo 3º da Constituição Federal.
Para além do caráter principiológico, o DPVAT tem efeitos práticos importantes. O primeiro e mais evidente é a reparação dos danos. O segundo é que a arrecadação ajuda a bancar o Sistema Único de Saúde (SUS).
Em conformidade com o que dispõe o Decreto 2.867/1998, 45% dos recursos do DPVAT destinam-se ao SUS, gestor do Fundo Nacional de Saúde para assistência médico-hospitalar das vítimas de acidentes de trânsito, e 5% para o Denatran, a fim de promover políticas de educação e prevenção de acidentes de trânsito. Dito de outro modo, metade do que é recebido com o seguro se direciona ao financiamento de políticas governamentais, de maneira que entre 2008 e 2019, de acordo com a administradora do seguro, essa destinação alcançou o patamar de R$ 37,1 bilhões.
Este é um aspecto importante quando se observam as informações divulgadas pelo Ministério da Saúde em maio de 2019, noticiando que em 2017 registraram-se 182.838 internações por causa de acidentes de trânsito, as quais geraram gastos de aproximadamente R$ 260,7 milhões. Ademais, o impacto desses acidentes na saúde pública também envolve as sequelas físicas e psicológicas do acontecimento.
Mostra-se, dessa maneira, que a gestão centralizada e coletiva dos recursos dos prêmios, facilita o monitoramento da estrutura de governança, contribui com a efetivação do princípio constitucional da solidariedade social e do direito fundamental à saúde, apoiando ainda políticas públicas para tratamento das consequências e prevenção dos acidentes de trânsito. Extinguir o DPVAT, neste contexto, não parece inteligente. É, isto sim, medida equivocada.
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